sexta-feira, 5 de abril de 2013

Erro Fatal




No jazigo, o silêncio macabro escondia fortes indícios de que mais alguém repousava naquela cova... do lado de fora... a chuva torrencial, as trovoadas, fizeram com que o ocupante daquele lugar acordasse cedo demais, seu sono leve fez com que o barulho lá de fora zumbisse em seu ouvido com límpida nitidez... os olhos antes cerrados, agora faiscavam e Raimond acordou de seu curto sono para uma nova refeição... refeição essa que ele queria que fosse bem cheia de emoções, a começar pelo medo, humm, ingrediente indispensável... logo depois viria a entrega com o desejo... e por final a lascívia terminando a mordida num doce sabor de luxúria.
Seu leito nem havia esfriado e ele forçosamente já estava de pé, demorou algum tempo com a última vítima, quase apaixonou-se e antes que isso acontecesse, na última mordida, esvaziou por completo a garota e conservou-a ao seu lado na cova para se lembrar do quanto era bela, o que não daria para admirar por muito tempo. Antes de se afastar, deu uma olhada na mulher e mecanicamente vestiu seu sobretudo, apesar de tudo, ainda tinha indícios de que fora linda... a morta ainda parecia estar com um ar doce e as maçãs do rosto ainda pareciam rosadas... sua beleza era quase angelical, sem muita cerimônia, Raimond deixou-a e partiu para a noite chuvosa... agora aquele lugar seria somente dela.
Na porta do mausoléu fitou a lua, a chuva grossa não dava trégua, parecia mesmo que o mundo acabaria naquele momento... o vampiro deixou o rosto na direção da lua para sentir a água, em vão, seu corpo não possuía mais nenhum tato, era como uma dormência permanente, o que não o deixava nem mais, nem menos infeliz, pois ao se deixar transformar ele sabia tudo o que enfrentaria na sua pós-vida, só não sabia que enfrentaria sozinho, fora enganado por sua senhora que o mordeu e o transformou como se estivesse fazendo um favor, e agora só a solidão o acompanhava, pois achando necessária, nunca reclamava disso e sentia-a da melhor maneira e com o melhor néctar que a noite lhe trouxesse brindando sempre à sua imortalidade.
Deu um passo e ganhou a calçada, uma das últimas ruas do cemitério, não precisou andar muito e logo avistou algo incomum, ao longe estava uma mulher sentada num túmulo aos prantos, ainda de longe Raimond observou o que ela fazia, chorando muito ela acariciava a foto da lápide, estranhou, ver humanos naquele lugar, tarde da noite e ainda por cima numa noite como aquela, torrencialmente chuvosa, era no mínimo loucura, pelo que notou ela não era do tipo gótica, não via prazer naquilo, ela era diferente, o vampiro notou mesmo muito sentimento naquelas lágrimas, apesar de sentir algo estranho, aproximou-se.
Em silêncio e quando estava a mais ou menos um metro dela, começou a falar:

- O que faz uma jovem a estas horas, neste lugar? - falou Raimond mansamente.
- O quê? - o susto foi tão grande que ela se virou muito rápido e caiu sentada ainda no túmulo, olhando-o com espanto.
- Calma! Não precisa se assustar... - Raimond estendeu a mão para ajudá-la a se levantar.
- Então... o que aconteceu para você estar trancada dentro do cemitério desse jeito? - continuou o vampiro.
- E você? O que faz aqui? - rebateu a mulher.
- Eu? Humm... isso é uma longa história... - completou Raimond com jeito simpático.
- Bom... é que meu namorado... está... bem aqui! Neste túmulo! Depois da trajédia minha vida não foi mais a mesma... não me conformo! - explicou tristemente a garota.
- E o que você quer fazer? - perguntou curioso já com malvadas intenções.
- Eu... quero ir junto com ele... eu quero morrer... - falou abraçando o vampiro.
- Então... seja feita a sua vontade!!

Ao terminar de falar Raimond mordeu-a no pescoço, a mulher não se debateu, pelo contrário, agarrou-se a ele e deixou-o sugar seu sangue, o vampiro estranhou tanta entrega, logo pensou que ela estava mesmo decidida a se entregar nos braços da morte e continuou; De repente Raimond soltou-a meio tonto e viu nas feições da mulher um ar de vitória, sua garganta estranhamente queimava e uma fumaça acinzentada começou a sair de seus olhos e boca... desesperado, Raimond pôs as mãos no pescoço, a agonia crescia gradativamente e seu espanto foi maior quando a mulher tirou a capa evidenciando seu traje de freira, serenamente ela sorria e ainda escutou quando a irmã falou...

- Volte para o lugar de onde veio, cria do demônio... seu grave erro foi seduzir minha pobre irmã, não sei como ela caiu no seu encanto, mas algo dentro dela dizia que era errado e ela me procurou... sei de tudo sobre você, e minha irmã agora descansará em paz, sofra com seu erro... (o vampiro em agonia morria devagar e ela continuou... ), o que te queima é a minha fé... minha grande e pura fé que tenho na santa trindade... eu sei que não serei igual a você, para isso eu teria que beber do teu sangue impuro...
demorei a chegar em você... (nesse momento o vampiro terminou de se desfazer restando somente uma gosma horrivelmente fétida e a freira ainda continuou falando.), sei que minha irmã está morta, cheguei tarde para salvá-la, mas como tantos outros você não fará mal a mais ninguém.


A irmã Clara levantou a cabeça e lágrimas de felicidade rolaram por sua face.


- É mana... após meses do teu sumiço consegui encontrar o maldito e o vi derreter até o final... ele pagou... mas não vou parar agora, não por vingança e sim por justiça.


Antes de ir até o mausoléu de onde o vampiro tinha saído, a freira pegou um frasquinho da bolsa e espirrou no pescoço, as perfurações que o vampiro tinha feito viraram cicatrizes, mais duas pequenas cicatrizes, marcas que ela nunca conseguiria retirar e muito menos esquecer.
Dirigiu-se ao mausoléu e conferiu o corpo dentro da cova, era o de sua irmã, logo imaginou que ele tivesse gostado dela, pois não a matou de imediato, mas como todo mal ainda é cruel, não importa o quanto demorou, sua irmã acabou tendo aquele triste fim... com toda dor, Clara abandonou o cemitério andando como uma simples vítima na madrugada escondendo a recente mordida sob a capa.

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